domingo, 12 de junho de 2011

Realização do segundo encontro do projeto de extensão - 11/06/11

Foi realizado o segundo encontro do projeto de extensão universitária "Diversidade étnico-cultural: realidade e desafios no município de São Bernardo". O tema deste encontro foi "Cultura e identidade", debatido a partir da leitura de Denys Cuche, no livro "A noção de cultura nas ciências sociais". (Trad. Viviane Ribeiro. 2ª ed. Bauru: EDUSC, 2002)
A importância deste texto é permitir a reflexão sobre a questão da cultura e da identidade, atentando para a sociedade multicultural, que nasce numa concepção de diferença, somente concebida a partir dos anos setenta. A recente moda das identidades, segundo Cuche, "é o prolongamento do fenômeno de exaltação da diferença que surgiu nos anos setenta e que levou a tendências ideológicas muito diversas e até opostas a fazer apologia da sociedade multicultural por um lado, ou por outro, a exaltação da ideia de 'cada um por si para manter sua identidade'” (CUCHE, 2002, p. 175 e 176). "Há um desejo de ver cultura em tudo e de encontrar identidades para todos", afirma o autor ao refletir que as grandes interrogações sobre a identidade atualmente, remetem frequentemente à questão da cultura. "Vêem-se crises culturais como crises de identidades. Chega-se a situar o desenvolvimento dessa problemática no contexto do enfraquecimento do modelo de Estado-Nação, da extensão da integração política supranacional e de certa forma da globalização da economia" (ibid). Apesar de não tratar do Brasil especificamente, o livro permite pensar o nosso país no debate das identidades culturais atualmente.


Diante disso, trata-se uma abordagem importante, pois acredita-se que, para a transformação do cenário educacional e cumprimento da legislação em relação à inclusão dos temas "afro-indígenas" nos currículos escolares, é necessário que os professores conheçam o debate a partir do qual o reconhecimento da cultura africana, afrodescendente e indígena tem sido feito, acionando o conceito de identidade e de cultura. Somado a isso, acredita-se que o primeiro passo para a reciclagem, a capacitação, a renovação do profissional de História é a definição por ele de sua concepção de história. Daí começarmos o debate situando os estudos acerca da cultura na disciplina histórica que, influenciada pela Antropologia, desautorizou o uso restrito do seu conceito clássico (cultura = erudição, refinamento, civilização, etc.), ampliando a noção de cultura para “modos de vida” - o que se aplicaria a todas as práticas, materiais e simbólicas, do grupo ou da sociedade em questão.


Nessa medida, foi pontuado a chegada dos estudos sobre a cultura no final do século XX pela influência da Escola dos Annales (que valorizando a interdisciplinaridade, aproximou-se da antropologia) e também por alguns autores marxistas, como E. P. Thompson. Resgatando o debate feito pela professora de antropologia no encontro do dia 28/05, pontuou-se que, nesta nova concepção, parte-se da ideia de que todos os povos ou grupos étnicos têm cultura e, desdobrando-se disso, de que nenhuma cultura é superior à outra. Daí o atual deslocamento da questão para o terreno da diversidade cultural e da igualdade de direitos para as diferentes culturas. Assim, refletiu-se sobre o sucesso do termo cultura entre os historiadores, em medidas próximas ao que Ronaldo Vainfas disse em sua conferência de abertura História cultural e historiografia brasileira no evento História: Questões & Debates 25 anos, publicada na revista Questões & Debates, Curitiba, n. 50, p. 217-235, jan./jun. 2009. Editora UFPR, 

“(...) diria em primeiro lugar, que os modismos fazem parte das culturas, inclusive da historiografia de diversas épocas. Foi moda pesquisar o movimento operário, entre nós, nos anos 1970, assim como virou moda pesquisar sexualidades ou religiosidades nos anos 1980. Não é caso de celebrar ou condenar esta ou aquela moda historiográfica, senão de contextualizá-la, de tentar explicar suas condições de produção no meio acadêmico, bem como sua maior ou menor capacidade de irradiação ou recepção E, sobretudo, buscar extrair dos resultados concretos de cada pesquisa aquilo que nos ajuda a compreender melhor as várias faces de nossa história, sem preconceitos. Pois é certo que quando o debate historiográfico cai prisioneiro da ideologia, quem sai perdendo é a história(...).” (VAINFAS, p. 234)


Pelas palavras de Vainfas deve-se, então, sopesar o possível modismo do termo cultura (e identidade) na nossa cultura historiográfica atual e em nossa sociedade, não para celebrar ou condenar, como o autor alerta, mas para contextualizar e compreender suas condições de produção no meio acadêmico e as vias pelas quais isso reflete na sociedade (e, no caso da temática do nosso projeto, pontualmente nas escolas) - tarefa que nenhum historiador pode se furtar.


Além da problemática da cultura no terreno da história, cujo debate seguiu a evolução do conceito moderno de cultura, desde o Iluminismo até sua apropriação pela História Cultural atual, foi pontuado o conceito de identidade a partir de Frederik Barth, que situado na esfera da relação, coloca-o para além da abordagem objetivista e subjetivista.  O objetivo final, além de apresentar os dois conceitos para entendimento da realidade atual de reivindicação da diferença e reconhecimento da diversidade pelas identidades e marcar a necessidade de reescrita da história atendendo à legislação, foi fazer o esforço de, mais uma vez, compreender as questões e o contexto que neste presente histórico estão reclamando essa reescrita, colocando-os acima de tudo como um discurso. A epígrafe utilizada na introdução do livro de Denys Cuche é bem representativa disso:

“O problema da cultura, ou ainda, das culturas, passa por uma atualização, tanto no plano intelectual, devido à vitalidade do culturalismo americano, quanto no plano político. Na França, ao menos, nunca se falou tanto em cultura quanto hoje (com relação à mídia, à juventude, aos imigrantes) e esta utilização da palavra, por mais sem controle que seja, constitui por si mesma um dado etnológico”  Marc AUGÉ (1988)

Sendo assim, o debate foi promovido e provocado a partir de interrogações e questões como: Quais as implicações de afirmarmos que “tudo é cultural”? Quais as implicações de não o afirmarmos? O que é a identidade cultural? Quais os perigos da pulverização das identidades? Há perigo? Qual a legitimidade das reivindicações dessas identidades? O que causou a mudança das relações interéticas do Brasil? Temos uma identidade nacional brasileira, ainda podemos nos compreender pela ideia do mestiço? Há um tom niilista neste debate culturalista?



Resumindo os objetivos:

•    Marcar que o debate sobre a cultura é situado historicamente, bem como sua atual aceitação, a despeito do seu esforço de fixação
     Identificar o debate de cultura e identidade ao contexto americano e refletir sobre as condições de sua exportação para outros lugares
•     Pontuar o Brasil nessa discussão (na contramão? de um processo também histórico seu de discutir sua identidade nacional a partir da mestiçagem)


Etapas do raciocínio do encontro para alcançar os objetivos do debate:

1. Evolução histórica ligada à gênese social da ideia moderna de cultura (França)

2. Cultura e identidade

3. Sucesso do termo cultura na contemporaneidade

4. O Brasil na corrente do multiculturalismo: Brasil mestiço?

No próximo encontro, o texto "A questão multicultural", de Stuart Hall, continuará o debate.